CABEÇA
DE LÍDER

José Luiz Tejon

A propaganda que ganhou a guerra

Publicado em 11/06/2021

Derek Nelson foi editor do “Naval Safety Center Publications” e dentre muitos artigos e livros tem dois geniais: The posters that won the war; e The ads that won the war. Ou seja, a propaganda que ganhou a 2ª guerra mundial. E por que vale revisitar e estudar este tema? Pelo simples fato de estarmos mergulhados numa guerra, hoje, onde a propaganda tem importância fundamental na ampliação dos sofrimentos ou no encurtamento desses tempos sofridos.

Você poderia dizer: “ah, mas hoje tem as mídias sociais, fake news e outras diferentes fórmulas de desinformação e má informação”. Na Alemanha nazista, anos 30, início dos anos 40, imagine quão revolucionário não foi a utilização de “telegramas” como mídia de acusação, inquisição e intimidação de pessoas e de vizinhanças, como registra Peter Drucker em outro livro fundamental: “The end of economic man”. Além do rádio, e gigantescos espetáculos, incluindo design de fardas e bandeiras, e todos os meios disponíveis para dominar e submeter os espíritos.

Porém, ao estudarmos a guerra da propaganda na 2ª guerra mundial e compararmos a propaganda nazista versus a dos aliados, vamos encontrando similaridades impressionantes da estratégia nazifascista dos anos 30 e início dos 40 do século passado com o “sucesso dos métodos” contemporâneos numa disputa por corações e mentes dos povos, numa descrição que hoje chamaríamos de populistas em pleno século XXI.

Ao estudarmos da mesma forma o livro de Hitler, Mein Kampf (Minha luta), ele registrava uma verdadeira obsessão pela propaganda. E escreveu nesse livro que “a Alemanha havia perdido a 1ª guerra mundial por que havia sido derrotada na competência e inteligência superior da propaganda aliada”. Por isso organizou uma poderosíssima máquina de propaganda na sua época.

Portanto, revisitar e estudar a propaganda como estratégia fundamental do poder não seria exatamente algo novo. Sempre existiu. Mas talvez por que não usamos mais a palavra “propaganda”, nem estudamos mais na academia o assunto, e mesmo os publicitários que fazem “propaganda política” tenham permitido se batizar como “marqueteiros” (absolutamente impróprio), ou então “assessores de comunicação” ou “experts em marketing digital”, ou somente “estrategista chefe da Casa Branca” como Steve Bannon (para registrar como um exemplo dentre vários espalhados pelo mundo), ficamos distraídos e perdemos o foco do mergulho vivo e real na arte manipuladora (ou comunicadora, serve para o bem ou para o mal) da propaganda propriamente dita.

Não é advertising, publicidade. Não é comunicação. Muito menos marketing. É propaganda mesmo, tem o objetivo de persuasão política, religiosa e construção de valores (para o mal, racismo e ódio, uns superiores versus outros inferiores, exterminar os diferentes). Para o bem, dona Jô Clemente fundadora da APAE registra a importância da propaganda na viabilização dessa nobre entidade: “crianças excepcionais dignas como todas as demais”.

Ao olharmos para a propaganda com esse microscópio, quando usada nas circunstâncias de uma guerra, como na 2ª guerra, ou nos conflitos civis entre facções no mundo, ou mesmo dentro da democracia para a supremacia de uma facção sobre todos os demais, encontramos os mesmíssimos ingredientes milenares, os mesmos vírus, com a diferença dos meios, mídias e aprimoramentos estéticos. Porém, a propaganda do mal carrega inquestionável dentro dela a ausência da ética. O mal está oculto na estética e na agressividade mediática com as mídias de cada tempo.

Queimar dezenas ao mesmo tempo em praça pública, ou fazer do suplício nos coliseus um show, estão hoje suavizados pela evolução das leis, mas extermínios nas redes sociais, bullying virtual e cooptação de mídias clássicas para endosso dos crimes da desumanização e da entropia são constantes nessa avaliação.

Ao mesmo tempo na pesquisa comparada da propaganda nazista versus a aliada, no calor da 2ª guerra mundial, dentro das mesmas circunstâncias da guerra, a propaganda aliada partia de um fundamento civilizatório. Não era excludente de povos, nações, raças, religiões. Sempre trazia nas entrelinhas de seus textos, ou na antessala de suas artes, a união de amigos, o encorajamento pela liberdade onde a linguagem é: “todos de todos os lugares”, muito ao contrário de “alguns, ou nós, contra todos que não são como nós, os outros” e esses outros os judeus, ciganos, comunistas, latinos, negros, ingleses, franceses, os aleijados e nascidos com deficiência aparente, os de raça impura, e todos que não queiram ser como nós, a supremacia dos supremos. Imagine o que achariam de uma civilização como a brasileira, tropical e mistura de todas as raças?

A diferença sútil e ao mesmo tempo fundamental na observação deste estudo é: a propaganda aliada inclusiva versus a nazista, exclusiva.

What did you do today for freedom?
 
Americans will always fight for liberty
 
Home of a soldier of production
 
Produce more milk for him (soldiers)
 

Our food is fighting

Ready for anything

Your work will save lives

Ladislas Farago, consultor do comitê nacional da moral, analisou que a sabotagem mental estava sempre presente na propaganda nazista como num pôster com um jovial soldado nazista com três crianças abandonadas, dizendo que os refugiados poderiam confiar num soldado alemão.

Entretanto, careciam de credibilidade e de efetiva confiança. E isto não oferecia a raiz ética da propaganda, como na orientação dos aliados, onde procuravam criar peças da propaganda com apresentação de fatos e não subversão das percepções.

O que este estudo inicial, da diferença entre a propaganda nazista versus a aliada, nos permite ver e rever é que a propaganda manipuladora e sabotadora das percepções acima da realidade dos fatos pode obter sucesso a curto prazo. Porém, vai perder a guerra a médio e longo prazo.

Este artigo deve chamar nossa atenção para a necessidade da organização da propaganda “aliada”, como um dever estratégico interminável, constante e perene, afinal a luta pelas percepções humanas vive lado a lado com as realidades percebidas ou não.

Porém, nos acalma, não num sentido de acomodação, mas na certeza inequívoca de que a propaganda a serviço de causas e realidades que não rumem no sentido evolutivo da humanidade, terminam por provocar dentro delas e a partir delas mesmas as forças contrárias da sua autodestruição. Se ajudarmos um pouco na orquestração da propaganda não manipuladora, mas sim sintrópica, com certeza iremos diminuir o trauma e as dores de um sofrimento desnecessário.

A propaganda aliada ganhou a 2ª guerra mundial, e irá ganhar esta, a atual. Qualquer similaridade entre a guerra negacionista da Covid-19, versus a luz científica e a sensatez, não é mera coincidência.

José Luiz Tejon

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