Eldorado/Estadão - Reforma tributária positiva para o agro, mas há muita coisa a ser feita
Publicado em 07/07/2023
DivulgaçãoEntrevistei Paulo Rabello de Castro que foi presidente do IBGE, considerado o economista do ano e um conhecedor profundo do agronegócio, que comenta de forma positiva a reforma tributária para o agro, e diz que há muita coisa para ser feita ainda após o texto ser aprovado ainda pelo Senado.
Perguntei ao Paulo Rabello de Castro qual a sua visão sobre a reforma tributária e a resposta foi:
“É um assunto complexo, algo que está sendo muito comemorado, mas que ainda é um bebê na barriga da mãe por assim dizer, aproveitando uma imagem para explicar para os nossos ouvintes que a aprovação histórica como tem sido considerada, porque o assunto como eu disse é muito complicado e cheio de meandros, a aprovação pela Câmara dos Deputados significa exatamente essa inseminação, essa expectativa de que lá na frente, depois de aprovado o texto pelo Senado, que obviamente debaterá e quase inevitavelmente apresentará algumas mudanças e eventualmente aperfeiçoamentos, aliás muitos aperfeiçoamentos ainda seriam necessários nesse momento para em volta para a Câmara para ser aprovado finalmente em forma de uma emenda constitucional. É isso que os ouvintes precisam perceber que há essa expectativa de que uma vez escrito em texto constitucional tem menos chance de ser modificado”.
Em seguida, Paulo Rabello falou sobre as vantagens que o consumidor terá. “E quais são as principais notícias desse bebê que está para nascer? É que algumas vantagens existem para o consumidor do uso diários de produtos que vem do campo e esse ouvinte está árido o saber: eu sou beneficiado em que, eventualmente? O relatório da matéria introduziu pela primeira vez e eu quero lembrar o Tejon que nós, o Ivan Wedekin, e mais outros queridos especialistas, amigos, temos nos batido por uma isenção da cesta básica alimentar. Pois o relator se sensibilizou pela matéria, eu tive a oportunidade de estar com ele falando sobre a questão, eu preciso também ressaltar o trabalho de João Galassi, que é o presidente da ABRAS – Associação Brasileira de Supermercados, junto com uma fabulosa equipe, que conseguiram introduzir esse conceito e esse desejo no coração do relator de ser a pessoa que vai ser autora de uma isenção, essa sim histórica, deixar uma cesta básica, obviamente é de produtos selecionados, os produtos realmente essenciais para estarem na mesa do brasileiro, completamente isentos de qualquer tributação. Hoje essa isenção, na grande maioria dos estados, só atinge frutas, legumes e verduras, o que já é razoável, vai ser agora ampliada para uma gama de pelo menos 20 itens essenciais. E além do mais o agro vai ter uma redução da chamada alíquota padrão que é a que vai taxar a universalidade dos outros produtos da indústria, de serviços, e o agro, nesse sentido, agora eu já estou falando disso, se soja, de milho, estou falando de grandes produções que não necessariamente constam dessa cesta básica, vão ser tratados com 60% de redução. Então se a alíquota, por exemplo, for da ordem de 30%, nós vamos ter um pagamento de uma alíquota reduzida para esses produtos de apenas 12%, que obviamente pode ali até piorar para um ou outro produto que tenha uma taxação mais generosa hoje, mas em geral vai ser considerada um benefício para o setor agropecuário como um todo. O agro tem a comemorar”.
Outra questão colocada para Paulo Rabello: A cesta básica nacional, que ainda será definida por lei complementar, a ABRAS está propondo 38 produtos. Qual sua avaliação em uma primeira visão dessa cesta básica?
“Eu acho que o trabalho da ABRAS merece o muito obrigado da população brasileira. É raro ver um setor, que obviamente brigando por seus clientes e por todas as milhões de pessoas que entram diariamente nos supermercados, brigando em favor dessas pessoas e do poder aquisitivo dessas pessoas diante dos preços nas gôndolas, está bridando também por sua margem de lucro o que é mais do que normal, entretanto isso não deixa de ser muito meritório. O setor supermercadista que visa ao bem estar da população e quer dizer que neste momento alguns bilhões de reais estão sendo, vamos dizer assim, encomendados para o bolso dos brasileiros, como uma espécie de bolsa família melhorado para o bolso dos brasileiros por causa desse trabalho realizado pela ABRAS hoje. E eu acho que 38 produtos seria mais do que suficiente. Porque veja bem, há também, embora nacional essa cesta, alguns produtos que são, vamos dizer assim, de utilização e de frequência de uso muito regional. A macaxeira que pode ter um uso muito mais importante no Nordeste. A erva mate no Sul e por aí vai”.
Perguntei também ao Paulo Rabello de 0 a 10 que nota daria para a reforma tributária?
“Eu daria 5. Eu sou exigente porque desde os anos 90, pelo menos, eu diria os 80, na verdade desde a reformulação da Constituição, que agora está sendo emendada, e que tinha sido promulgada em outubro de 1988, nós temos tentado, por exemplo, na revisão constitucional de 1993, frustrada, já introduzir cláusulas para melhorar essa hipertributação, esse exagero de impostos com que o brasileiro convive diariamente e é por isso que é uma felicidade, uma satisfação, saber que pelo menos os itens da cesta básica estão desonerados. Maravilha. Eu me lembro que como eu mencionava o Ivan Wedekin, em 1996 nos reunimos também com empresários, o Luiz Fernando Furlan, por exemplo, da então Sadia, hoje BRF e tantos outros para fazer cartilhas tentando na reforma tributária de 1995 introduzir o conceito dessa isenção. Eu deveria estar muito feliz. É que eu estou olhando também não só algumas árvores importantes da floresta, eu estou olhando a floresta como um todo. E existem ainda equívocos monumentais que foram introduzidos nessa emenda ou deles sendo um mastodonte, ou um brutamontes como me disse um amigo jurista. Um tal de Conselho Federativo, mais uma sinecura, mas uma sinecura do tamanho de um bonde. Inventaram mais um órgão, que ainda não está sendo criado, pode ser modificado pelo Senado, tomara que seja, mas que representará um aumento do conteúdo burocrático do país e que pode levar a morte dos aspectos positivos dessa reforma tributária. Outro aspecto que realmente não casa comigo são os bilhões e bilhões que foram prometidos por esse governo federal, não se sabe de onde eles vão tirar esses bilhões, para compensar estados e municípios que perdem na reforma tributária, compensar incentivos, ou seja, existe uma promessa de gastança praticamente estelar. Nós estamos mandando um foguete à Marte em termos de despesa pública. Então eu acho que estou sendo até generosa com essa nota 5”.
Foi perguntado ao Paulo Rabello, em relação à competitividade do setor, se a reforma tributária pode baratear a produção de alimentos, chegar a aumentar a produtividade e aual pode ser o impacto nesse aspecto.
“Essa reforma na atual fase ela começou com a identificação de um problema grave nos últimos tempos que é o excesso de oneração na indústria brasileira. Não do agro, da indústria. Você pega por exemplo, outro dia eu comprei uma sandália Havaiana, fui fazer e me dar ao trabalho, e o setor brasileiro não se dá esse trabalho e a letra é miúda, as notas fiscais, mas lá estão um lançamento de um cálculo aproximado do total dos impostos pagos. O total dos impostos, na realidade o conjunto dos tributos incidente sobre uma sandália Haviana era superior a 40% efetivamente, ou seja, a gente não está comprando uma Havaina só, você está comprando uma sandália Havaiana e deixando que o sócio, o governo, enfie a mão no teu bolso e te tire praticamente metade do preço daquela sandália. Não pode ser competitivo. Aí o que pensaram os caras? Que estão bolando essa reforma? Nós vamos baixar todas as alíquotas para 25%, pelo Brasil o consumo é muito onerado. Nós temos, aliás para desgraça nossa brasileira, a taxa de imposto sobre o consumo, quando eu falo imposto é um conjunto de pelo menos 5 ou 6 categorias que incidem, como se fossem 5 flechas, eu estou chamando de uma flecha só, imposto de consumo. Então vamos baixar para 25%, só que a ideia genial dos caras já o contrário era baixar tudo para 25%, então tudo que está acima de 25%, em geral produtos industriais, a sandália Havaiana vai ser beneficiada, cai de 40% para 25%, mas em compensação todos os produtos do agro, inclusive a cesta básica, vejam só que gênios que nós tínhamos lá fazendo reforma tributária, iria para 25%. Na fórmula inicial todos iam pagar 25% e eles tinham uma argumentação estranha de que no final, se você também vai comprar um automóvel, que tenha uma alíquota superior a 25%, você ganha no automóvel, perde nas frutas e legumes. Ora, mas a maior parte do povo brasileiro compra frutas e legumes, mas não compra automóvel. Então, obviamente, a ideia era estúpida e por isso nós entramos nesse futebol e conseguimos reequilibrar com várias alíquotas. Hoje então vamos trabalhar a reforma que saiu um pouco melhor, com 3 alíquotas, a 0 que vai isentar a cesta básica alimentar nacional, a alíquota reduzida que vai operar na faixa de 40% da alíquota cheia, portanto já não dá para fazer a conta com 25%, seria, por isso que eu mencionei 30%, e 40% de 30%, uma alíquota de 12%, mas que vai pegar todos os serviços: educação, saúde, vai ter gente que ainda vai estar sofrendo, e 25% vai ser a vantagem de alguns produtos industriais. Aí entramos em uma discussão que eu prefiro não estressar, mas é que hoje no Brasil vamos diminuir a taxação de perfumes,cosméticos, automóveis, bolsas Louis Vuitton, tudo isso vai pagar menos. Então se você puder entrar no Shopping JK ou Iguatemi, lá vai ter uma vantagem espetacular.”
Perguntei ainda ao Paulo Rabello: no sistema de valor agregado, saindo desde a originação até a ponta, se ele acha que vai nos ajudar também a produzir mais produtos de valor agregado para acessar mercados internacionais, se tem alguma vantagem aí que vai impactará o nosso PIB?
“Tem sim. Porque primeiro ficará mais claro que exportação está desonerada, investimentos também estarão desonerados, então isso já facilita na questão anterior se vamos conseguir produzir com mais eficiência e com menos ônus. Sim, a resposta é positiva. E havendo o crédito, inclusive o próprio produtor rural vai ter um crédito que, óbvio como ele não tem contabilidade, não tem livro caixa, a grande parte dos quase 4 milhões de produtores que não tem livro caixa e são produtores familiares, esses vão ter um crédito que se presume, ou seja, a legislação vai dizer: olha, se a tua produção é de tanto vamos presumir que aí dentro da tua produção você pagou X de tributos que estão no preço do combustível que você comprou, do defensivo, do fertilizante, do serviço de máquina, então você vai ter X de imposto presumido. Você pode repassar para o comprador da sua produção rural. E óbvio que se o comprador tem um crédito tributário ele pode pagar mais generosamente por essa produção do produtor original. Então tudo se beneficia nessa cadeia produtiva, tanto agrícola, quanto industrial. Nesse sentido estamos diante de uma melhora. O diabo está nos detalhes. Que como o governo está prometendo uma gastança desenfreada para sustentar, vamos dizer, prerrogativas e privilégios anteriores, na realidade o que nós deixamos de fazer? Introduzir cláusulas mais severas de contenção e moderação do gasto público. Nós não podemos nem terminar essa nossa conversa sem dizer: onde é que está o erro no Brasil? Está menos nos tributos e mais nas despesas que os tributos pagam. Nós estamos pagando por uma malta lá em Brasília e nas capitais de nossos estados e muitos municípios perdulários que jogam dinheiro fora, para não dizer quando roubam e desviam criminosamente. É isso que não está combatido nessa reforma tributária. Nesse sentido eu diria que nota que eu tenha dado 5, e olhe lá, que não existe reforma tributária sem ser precedido ou vir junto com uma reforma administrativa. E se você quiser completar o que falta, eu diria que o grande tributo nosso é sobre a folha de pagamento que ainda não foi objeto de discussão. É muito caro você contratar e empregar no Brasil e isso é muito ruim.
Outra pergunta feita para o Paulo Rabello foi sobre o chamado simples do agro que teve um aumento de 2 milhões para 3,6 milhões o limite de faturamento para os produtores terem isenção tributária e no que isso pode impactar o setor?
“Na realidade o que se deu ali de mais inteligente foi a opção de o produtor rural se organizar contabilmente e, neste caso, ele vai capturar, ele vai guardar todas as notas fiscais de tudo que ele compra de insumos. Nas notas fiscais ele vai encontrar informação sobre quanto ele terá pago do imposto de consumo, repito no fertilizante, no combustível, no equipamento que ele comprou, ele captura aquilo, lança na contabilidade dele. Ele já se organizou e principalmente se está produzindo mais que 1 ou 2 milhões de reais, ele já é grandinho em termos de produção, então ele pode ter ali um o apoio de um filho que foi para a escola de contabilidade ou está estudando economia, direito, e faça o livro caixa e ele vai utilizar esses créditos. Se ele optar por ser considerado não contribuinte, ou seja, eu não estou nesse esquema de passar crédito para a frente, e creditar, então ele pode utilizar o crédito presumido que é o que eu já mencionei. Como diz a palavra, a legislação vai presumir que ele deve ter X de crédito, então ele não precisa fazer conta nenhuma e ele vai ter um benefício presumido. Então são as duas opções que anulam mais o menos o limite do Simples, que é 4,8 milhões e que está se dando para o agro 3,6 milhões, e que é um limite bastante generoso”.
Comentei com o Paulo Rabello que as cooperativas ficaram felizes com a reforma tributária que comentou: “Sim, veja só você tem razão pelo fato que as cooperativas estão juridicamente agora mais protegidas porque fica clara a vantagem, a prerrogativa do ato cooperativista em nível constitucional, dando uma proteção contra um aumento de tributos. Agora tem umas outras coisas assim também, como por exemplo ali se está eliminando impostos sobre produtos industrializados, o imposto canalha, cretino, que taxa o ato de se transformar um produto industrialmente, quer dizer, é contra a indústria, mas em compensação se criou um imposto seletivo a título de tributar bens nocivos à saúde, aumento dos cigarros, bebidas alcóolicas, mais pesadas, etc, só que ampliaram dentro dessa categoria de imposto seletivo esse novo tributo, que nunca se mencionam, e vai se somar ao tal de IVA (imposto sobre valor agregado), que na realidade também é um imposto bicéfalo, ele tem na realidade duas cabeças, uma federal e outra estadual/municipal, portanto há de se contar como dois tributos, que chamar-se-ão IBS (imposto sobre bens de serviços) e CBS (contribuição sobre bens e serviços) e acrescentando um IS (imposto seletivo). Isso é uma reforma brasileira. Nós pegamos 4 tributos, que é PIS-Cofins que caminha junto e depois dessa confusão geral, e vai demorar 10 anos para tramitar e a gente chegar a esse céu, a criança não nasce em 9 meses, ela nasce em 9 anos, nós vamos passar de 4 tributos para 3. Vocês acham que isso é simplificação? Eu chamaria, porque quando tiver, ou se a gente conseguir chegar até lá na frente, 9 anos, eu vou ver se teve prejuízo, aí a gente pode dizer realmente melhorou um pouquinho. É de um pouquinho que a gente precisa nesse país? O nosso país precisa ter uma condição de melhora abrupta, melhora corajosa, de melhora audaciosa, nós precisamos de líderes políticos que, de fato, sejam capazes de falar alto, de dizer que não mais compactuarão com reforma meia boca. Então embora eu homenageie o também carioca Tarcísio Freitas está fazendo como governador de São Paulo, eu não sei em que medida ele foi grande porque foi dar uma de conciliador ou se ele foi pequeno porque compactuou por uma reforma que por enquanto é uma reforma meia boca para nascimento daqui a 9 anos. Vou repetir, até que a cheguemos a 2033, nós vamos conviver com os tributos novos e os antigos. Aliás até agora não me explicaram, porque se vocês chamarem um contador para fazer na segunda-feira uma entrevista, se for um contador decente ele vai dizer: isso é uma verdadeira maluquice. Como é que a gente simplifica fazendo a convivência entre o velho ICMS e ISS, com o IBS, o CBS, é difícil até de dizer o nome de todas as siglas e ao invés de 4 tributos nós vamos trabalhar com 7. E é por isso que eu digo que o diabo mora nos detalhes”.
Ouça a entrevista completa abaixo.
José Luiz Tejon para a Eldorado/Estadão.